Maratona de Porto Alegre (2008)

O sonho de correr uma maratona teve início no final de 2007. Era um diabinho soprando em meu ouvido, me instigando ao desafio. Naquela época, meu objetivo era a São Silvestre – uma prova muito desejada por mim. Combinei com meu treinador que faria a São Silvestre e depois diria se estava a fim ou não de encarar a maratona. A prova de 31 de dezembro foi linda, curtida, feliz. Eu estava bem preparada e isso me deixou confiante.

Quando 2008 começou e resolvi que correria, sim, uma maratona. Pensei em Porto Alegre pela data, pelo clima, pelo percurso (indicado especialmente para principiantes). Era uma possibilidade. Porém eu sabia que além do treinamento, teria uma série de custos por ser em outra cidade. Além do mais, sempre desejei levar meus filhos pelo menos para me ver correr a primeira maratona. Afinal, que graça teria correr tanto se não tivesse gente querida a meu lado?

O TREINAMENTO

Daí foram quatro meses de treinamento. Primeiro a base, o fortalecimento. Não pisei em academia um dia se quer para fazer musculação. Confiei em meu treinador e fazia o fortalecimento de pernas, tronco e até braços durante os treinos. Em alguns momentos, claro, cheguei a pensar se esse trabalho seria o suficiente. Mas como não tinha tempo para ir à academia, segui fielmente a proposta. E dá-lhe treino, fortalecimento, treinos longos e muito longos. Em muitos desses treinos, eu sempre imaginava a chegada da Maratona. Pensava: “quero ver o que estarei sentindo no km 37, no km 39, no 41, no 42…”

Na última semana antes da Maratona estava bastante ansiosa. Passa pela cabeça coisas do tipo “será que treinei o suficiente?”; “será que vou aguentar?”; “e se pintar alguma dor?”  Mas dentro de mim eu sabia que estava preparada, sabia que completaria. Até para não criar uma grande expectativa para mim mesma, dizia que minha meta era completar a maratona em 4h30m. Nos últimos treinos, meu treinador disse que do jeito que eu estava, faria até em 4h12m. Eu sabia que eu podia, mas era melhor não me entusiasmar tanto.

EM PORTO ALEGRE

Pois bem, cheguei uns dias antes em Porto Alegre, junto com meus filhos Fernanda (19 anos) e Antônio (7 anos), para curtir um pouco a cidade e me ambientar. Fui acolhida por uma grande amiga, a Nara, maratonista também, e seu marido Vitor, que também participaria da prova. Foi muito bom estar com eles, falar de corrida, mas também dar risada, passear, enfim, relaxar e se divertir.

Tudo aconteceu da maneira mais perfeita possível. Comi direito (massa no almoço e no jantar), tomei minhas vitaminas, dormi bem – inclusive na véspera da prova (não tive nem sinal de insônia ou noite de sono agitado). Tudo tão direitinho que cheguei a comentar que eu estava com medo do meu “excesso de confiança”.

Quinta e sexta (22 e 23) foram dias muito quentes; o sábado estava fresquinho e o domingo era uma incógnita. Alguns diziam que viria frio pra valer, outros que choveria, outros ainda temiam fortes ventos. No sábado, na retirada do kit, além do pessoal da revista Contra Relógio (Tomaz, Sérgio, Tião), encontrei o Rodolfo Lucena, do blog + Corrida, da Folha de São Paulo. Também no sábado, tivemos um agradável almoço de massas com o pessoal da equipe PerCorrer Widex, do treinador Leonardo Ribas e sua mulher Luciane Dambacher. À noite, foi a vez de nosso jantar de massas, com o Tomaz e sua mulher, Cecília, e o amigo Marcola.

O GRANDE DIA

Enfim, o domingo, 25, amanheceu frio. Cerca de 10 graus. Fui para a largada feminina, às 7 da manhã, feliz como uma criança. Eram poucas mulheres – por volta de 200. Para mim era tudo diferente. Nunca havia participado de uma prova com largada tão cedo (ainda estava um pouco escuro quando chegamos ao local da prova) e com tão pouca gente.

Foi dada a largada e eu comecei a entrar em uma espécie de transe. A ansiedade ali, fazendo o coração acelerar além da conta. Tanto que completei o primeiro km em 5’12”. Tinha muito chão pela frente e claro que tratei de focar e me equilibrar. Pouco tempo depois já havia encontrado meu ritmo – graças a muito treino, eu aprendi a encontrar minha “velocidade de cruzeiro” e sigo nela sem grandes variações. E continuei. Os primeiros quilômetros tinham mesmo um ar de “sonho”, de “filme noir”. O céu cinzento, as ruas vazias, as corredoras se espalhando, começando a correr mais isoladas. Não foi uma sensação de solidão, mas sim um momento de interiorização. E foi um muito lindo. Olhava para o céu, agradecia a Deus por estar ali.

Pouco mais adiante, os deficientes e os homens, que tiveram a largada um pouco mais tarde, às 7h20, já me alcançavam. Vi um cego correndo muuuuito com seu guia. Tudo me emocionava.

MEUS RECORDES

Estava me sentindo tão bem. E fiquei feliz quando cruzei o km 10 com 54’06” – meu segundo melhor tempo na distância. O tempo todo, no entanto, dizia a mim mesma que era só o começo, que eu prestasse atenção para não me entusiasmar demais. Adiante, entramos numa avenida muito comprida, onde ventava muito e onde começou a garoar, aumentando o frio. Fui fazendo a reposição energética com carboidrato em gel e lembrando das orientações de amigos maratonistas mais experientes – especialmente o Melo.

Lembro que pensei “se eu chegar bem no km 14 vai dar tudo certo”. No 14 era fácil chegar mesmo, mas era uma forma de me motivar, de me colocar metas ali dentro da Maratona. Alguns amigos iam passando, um chamando o nome do outro, desejando boa prova. Eu estava correndo tão bem que meu pensamento era um só: “meu corpo foi feito para isso, meu corpo foi feito para correr”.

Também lembrava de algumas músicas e de uma, em especial: Tropa de Elite. É que nos últimos dias antes de embarcar para Porto Alegre, conversando com um amigo (o Eduardo) no MSN, ele falou dessa música, destacando o trecho “hoje o bicho vai pegar”.

Estava louca para chegar ao km 21 e ver qual seria meu tempo na Meia Maratona. E cravei 1h57m – meu recorde na distância (antes, o melhor tinha sido 2h03m). Não parava de fazer contas, tentando prever em quanto tempo terminaria.

Um pouco mais adiante, por volta do km 24, um maratonista começou a correr a meu lado. Ficamos um ditando ritmo ao outro e até conversamos um pouco. Ele falou que estava gostando de correr a meu lado porque eu mantinha um ritmo constante, sem grandes variações. Por um lado a companhia era boa, justamente para não vacilar com o ritmo, por outro pensava que aquele papo poderia me desconcentrar. E fomos indo.

Continuava a fazer as contas mentalmente e já estava achando que se eu continuasse daquele jeito, poderia completar em quatro horas ou até um pouco menos. Estava “me achando”.

 O TEMÍVEL KM 30

Mas eis que chega o km 30. Ali, bem ali, meu ritmo começou a cair. Bateu cansaço e uma dor na altura dos quadris. Naturalmente eu comecei a diminuir. Eu queria manter, queria me forçar um pouco, mas meu corpo não obedecia. O meu companheiro de prova seguiu adiante e eu reduzi. Lembro que parei num posto de Gatorade e, como desculpa para beber com mais calma, andei uns poucos passos. É claro que eu não ia desistir, mas precisava dar um jeito de melhorar o ritmo. E tirei forças sabe-se lá de onde.

No treino mais longo que eu havia feito, percorri 34 km. Então, até os 34 km eu já havia experimentado. Dali para frente seriam os quilômetros que tantas vezes visualizei nos treinos. E a partir do 35, a gente entra em um trecho comprido da prova, tendo o Rio Guaíba à direita. Absurdo pensar isso, mas você acha que os quilômetros são maiores do que no início. E tinha que ir até o fim dessa avenida, fazer a volta e retornar para então se dirigir à chegada. Quer dizer, você vê as pessoas voltando e fica pensando onde é que fica o retorno. A essa altura eu tinha retomado um pouco ritmo.

A cada quilômetro, mais contas. Mesmo que eu fizesse esses quilômetros finais a 7 minutos cada, chegaria em menos de 4h12. Mas eu fechava cada quilômetro por volta de 6 minutos. Era só administrar.

VONTADE DE CHORAR

Finalmente, no bendito retorno, a gente já estava no km 39. Nesse trecho, tinha um casal correndo lado a lado. Ele falava para ela: “eu te amo cada dia mais. Você é uma vencedora. Olha só aonde você já chegou…” Palavras de incentivo para que ela não diminuísse. Teve um momento que o rapaz falou: “você tem duas pernas, dois braços, é perfeita, só tem a agradecer por estar aqui…” Não aguentei a emoção. Tive vontade de chorar. Sabe aquela emoção súbita e muito forte, de quase faltar o ar? Ameacei mesmo chorar, a respiração foi ficando ofegante. Mas pensei: “se eu chorar agora vou ficar sem ar e não vou conseguir correr”. Controlei a respiração, agradeci por estar ali, faltava muito pouco. Consegui até me distanciar do casal, não sem antes passar pelo cara e dizer que a atitude dele estava me emocionando.

Já por volta do km 40, a Nara chegou para me acompanhar de bicicleta. Quase chorei de novo. Ela falou tanta coisa bacana, que eu estufei o peito e me senti mesmo muito especial. No km 41, era correr com toda a força que ainda restava. Dali até a chegada parece que passou muito rápido.

O GRANDE FINAL

A poucos metros da linha de chegada, avistei meus filhos, que estenderam um cartaz, escrito: “Parabéns, mamãe! Você conseguiu. Amamos você!” Chamei o Antônio para me acompanhar na reta final. Ele me deu a mão e seguimos alguns poucos metros, mas a organização não deixou que ele cruzasse a linha comigo. Então cruzei o pórtico e ele ficou para trás (acabou se perdendo da irmã e alguns minutos depois eu fui chamada no autofalante para resgatá-lo, tadinho!!!). Parei meu relógio com exatas 4h04m.

Ali na chegada encontrei meus amigos Tomaz, Sérgio e Iotti, da Contra Relógio. Fizemos festa, tiramos fotos. Foi muito legal. E após ter resgatado o Antônio, voltei para a barraca da equipe PerCorrer Widex, que me deu apoio durante o percurso todo. Também encontrei o Ricardo, o Marco e o MM, da PlayTeam, tiramos fotos orgulhosos de nossas medalhas.

Com o corpo frio, as dores começaram a aparecer. Doíam as pernas, os pés, as costas, mas ao mesmo tempo eu sorria, feliz. Nada me incomodava. Meus pés não sofreram quase nada: as unhas estavam intactas e apenas duas pequeníssimas bolhas surgiram. Andei um monte ainda até pegar um táxi e ir para casa.

Passei o dia como se tivesse ganho na loteria. Endorfina pura. Comemoramos eu, meus filhos, a Nara e o Vitor (que fez um tempo muito bom, 3h17m).

Dormi bem. Acordei ainda com algumas dores musculares, especialmente nas coxas. Voltamos para SP na manhã de segunda-feira – confesso que ainda com alguma dificuldade para subir e descer escadas. Mas agora, no final da noite de segunda-feira, as dores são vagas lembranças. Estou muito bem!

Obrigada a todos que me acompanharam, que me ajudaram, que me deram forças, que curtiram comigo essa trajetória. Não fiz uma maratona para experimentar, para ver como é que era. Fiz porque tinha a certeza de que eu iria querer mais. E quero. Que venha a próxima!